domingo

Entre exclamações e interrogações



Numa sociedade na qual o homem não podia calçar sapatos fechados antes de sua Confirmação* ou calças compridas antes dos dezoito anos, o início da vida produtiva era um grande marco. Aos 15 anos, ele estava orgulhoso, pois começara a trabalhar na Loja de Secos e Molhados da Sra. Maria Cândida Hoersch (Dna. Mimi, como era conhecida na pequena cidade). Era bem verdade que ele trabalhara desde pequeno vendendo os produtos da queijaria da família, passando de carroça por toda região... mas este era o seu primeiro emprego propriamente dito. Ele suava a camisa colocando o açúcar ao sol para dourar... pesava cereais e outros grãos para os clientes... limpava a loja e a organizava, recebia as mercadorias, fazia o controle financeiro do estabelecimento... e estava absolutamente feliz e cheio de si no desempenho de suas funções. Num certo dia, sem qualquer aviso, Dna. Mimi o chamou ao escritório e lhe disse, sorridente: "Aqui está o seu primeiro salário, você trabalhou bem e estou feliz de tê-lo aqui em nossa loja." Seus olhos brilharam, estava radiante. Eram 50 mil réis! Nem sabia direito quanto valia aquele dinheiro ou o que faria com ele... mas estava esfuziante... Era o seu primeiro salário. Pediu licença para ir para casa mostrar a conquista para os pais. E saiu voando baixo na sua bicicleta. Estava iluminado quando estendeu o montinho de dinheiro para mostrar ao pai.

- O que tu pensas que estás fazendo com esse dinheiro?" - ralhou o pai, em alemão.

- Ganhei da Dna. Mimi... é o meu primeiro salário! - respondeu incrédulo com a reação do pai

- Pois devolve agora! Tu não mereces isso! Volta lá e diz que teu pai mandou devolver!

- Mas...

- Sem mas. Agora! Onde já se viu?!

Baixou a cabeça e voltou à mercearia, resignado. Afinal, "papai" disse, é lei.

- Dna. Mimi - granhiu, segurando o choro - meu pai mandou devolver este dinheiro à senhora.

- Mas como... tu trabalhaste por este dinheiro, tu mereces ele... Teu trabalho vale três vezes mais, mas a loja não vai muito bem, então é o que eu posso te dar agora.

- Mas meu pai me disse que eu deveria devolver e que não mereço recebê-lo. Eu insisto! - baixou a cabeça e estendeu o dinheiro

- Não, não aceito. Fazes um belíssimo trabalho aqui, por isso eu quero que tu fiques com ele.

E não disse mais nada. Colocou o dinheiro no bolso e saiu pensativo. Voltou pra casa e subiu para seu quarto. Sentou à cama e colocou o dinheiro espalhado sobre ela. O que ele faria agora? Falaria para "papai" que não conseguira devolver o dinheiro? Como daria essa notícia a ele? E qual sua reação? Porque "papai" estava sendo tão duro com ele? Não conseguia pensar nas respostas. Em meio a pontos de interrogação e notas de cinco mil réis, adormeceu... O sono dos justos.

* Na Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB), da qual o menino faz parte, as crianças são batizadas nos seus primeiros meses de vida. No batismo Deus afirma que nos recebe como seus filhos. Na adolescência, toma-se consciência desta dádiva e após uma preparação, cada qual faz a sua profissão de fé pública perante a comunidade. Chama-se CONFIRMAÇÃO, pois para confirmar é preciso que algo tenha sido afirmado.

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Entre exclamações e interrogações



Numa sociedade na qual o homem não podia calçar sapatos fechados antes de sua Confirmação* ou calças compridas antes dos dezoito anos, o início da vida produtiva era um grande marco. Aos 15 anos, ele estava orgulhoso, pois começara a trabalhar na Loja de Secos e Molhados da Sra. Maria Cândida Hoersch (Dna. Mimi, como era conhecida na pequena cidade). Era bem verdade que ele trabalhara desde pequeno vendendo os produtos da queijaria da família, passando de carroça por toda região... mas este era o seu primeiro emprego propriamente dito. Ele suava a camisa colocando o açúcar ao sol para dourar... pesava cereais e outros grãos para os clientes... limpava a loja e a organizava, recebia as mercadorias, fazia o controle financeiro do estabelecimento... e estava absolutamente feliz e cheio de si no desempenho de suas funções. Num certo dia, sem qualquer aviso, Dna. Mimi o chamou ao escritório e lhe disse, sorridente: "Aqui está o seu primeiro salário, você trabalhou bem e estou feliz de tê-lo aqui em nossa loja." Seus olhos brilharam, estava radiante. Eram 50 mil réis! Nem sabia direito quanto valia aquele dinheiro ou o que faria com ele... mas estava esfuziante... Era o seu primeiro salário. Pediu licença para ir para casa mostrar a conquista para os pais. E saiu voando baixo na sua bicicleta. Estava iluminado quando estendeu o montinho de dinheiro para mostrar ao pai.

- O que tu pensas que estás fazendo com esse dinheiro?" - ralhou o pai, em alemão.

- Ganhei da Dna. Mimi... é o meu primeiro salário! - respondeu incrédulo com a reação do pai

- Pois devolve agora! Tu não mereces isso! Volta lá e diz que teu pai mandou devolver!

- Mas...

- Sem mas. Agora! Onde já se viu?!

Baixou a cabeça e voltou à mercearia, resignado. Afinal, "papai" disse, é lei.

- Dna. Mimi - granhiu, segurando o choro - meu pai mandou devolver este dinheiro à senhora.

- Mas como... tu trabalhaste por este dinheiro, tu mereces ele... Teu trabalho vale três vezes mais, mas a loja não vai muito bem, então é o que eu posso te dar agora.

- Mas meu pai me disse que eu deveria devolver e que não mereço recebê-lo. Eu insisto! - baixou a cabeça e estendeu o dinheiro

- Não, não aceito. Fazes um belíssimo trabalho aqui, por isso eu quero que tu fiques com ele.

E não disse mais nada. Colocou o dinheiro no bolso e saiu pensativo. Voltou pra casa e subiu para seu quarto. Sentou à cama e colocou o dinheiro espalhado sobre ela. O que ele faria agora? Falaria para "papai" que não conseguira devolver o dinheiro? Como daria essa notícia a ele? E qual sua reação? Porque "papai" estava sendo tão duro com ele? Não conseguia pensar nas respostas. Em meio a pontos de interrogação e notas de cinco mil réis, adormeceu... O sono dos justos.

* Na Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB), da qual o menino faz parte, as crianças são batizadas nos seus primeiros meses de vida. No batismo Deus afirma que nos recebe como seus filhos. Na adolescência, toma-se consciência desta dádiva e após uma preparação, cada qual faz a sua profissão de fé pública perante a comunidade. Chama-se CONFIRMAÇÃO, pois para confirmar é preciso que algo tenha sido afirmado.

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