quarta-feira

O louco, a caderneta e o sussurro



Estava decidido. Era ela! Foi amor à primeira vista: na primeira vez que ouviu falar dela, quando foram apresentados, ao primeiro contato, desde a primeira vez que a adentrou. Tinha que ser ela. Estava decidido. Custasse o que custasse. Sacrifício, preocupação, dinheiro, dificuldades. Era ela! Seu superego dizia-lhe que era loucura, mas ele não dava bola. Só conseguia pensar - o tempo todo - nela. Seria sua. Mas... como?! (Àquela altura, isso era apenas um mero detalhe!)

Vestiu-se com seu melhor traje e foi reunir-se com o Sr. Smalz, da Construtora Catarinense. Faria-lhe uma proposta suicida. O depois não importava. E mergulhou. De cabeça. (Louco!)

- Tenho 9 nove contos de réis, pago-lhe à vista. O resto, pago aos poucos.

- Nós não financiamos. Preciso dos 25 contos agora.

- E eu, da casa. E ofereço os meus 9 contos como entrada.

Entreolharam-se, sérios. E o Sr. Smalz percebeu que aquele jovem teimoso não cederia. Via nele uma determinação desvairada em ter a propriedade no Beco Timbó, número 150. Respirou fundo e decidiu confiar no garoto. Avalizou pessoalmente o financiamento a ele, em prestações muito maiores que seu salário poderia cobrir. Entretanto ele, ensandecido pela possibilidade real de ter a casa, fechou negócio.

Saiu de lá radiante. Conseguira a casa. A sua casa. Digna de sua amada. Flores, luz, música, uma brisa suave batendo em seu rosto... Um lugarzinho para chamar de seu. Na qual teria uma vida inteira de muita felicidade. E de economia. E de sacrifício. E de preocupação. E de desespero! Pelo amor da Josefina! O que ele acabara de fazer?! Onde estava com a cabeça?! Como é que podia ter gasto suas economias de 10 anos de trabalho árduo e sobre-horas em uma casa que não podia comprar? Mas como ele tinha deixado se levar?! O que ele tinha feito!? E, se conseguisse pagar as prestações, como sustentaria a casa? E como sustentaria sua esposa? E seus filhos - aqueles que um dia teria com ela?! Sentou à beira da estrada e, simplesmente, chorou.

Rolou na cama por dias, não conseguira, ainda, sequer verbalizar o que tinha feito. E, numa epifania, eis que surgia de sei-lá-onde uma idéia que era tão absurda quanto a compra da casa. Decidiu tentar, esperançoso.

Comprou uma cadernetinha e uma caneta. E pôs-se a bater na porta dos vizinhos. Um a um. Explicava a situação e já traçava uma meta financeira. E desta forma foi conseguindo pequenos empréstimos - qualquer valor era bem-vindo - a serem pagos em longos prazos. E tudo foi anotado na cadernetinha. Clientes foram procurados com a mesma proposta - que era tão atrevida e inesperada que acabava convertida em mais cifras na caderneta. Em pouquíssimo tempo conseguira juntar 6 mil contos de réis, que já eram suficientes para cobrir as primeiras prestações. O sogro investiu no mobiliário completo da nova residência. Tudo do bom e do melhor para a primogênita - que, aos 27 anos, julgavam que não se casaria mais (em tempo: ela não gostou muito da escolha, pois a casa era grande demais e tinha muitas escadas, mas isso ele só ficou sabendo 50 anos mais tarde).

Trabalhou em horário dobrado, fez horas extras, arranjou empregos paralelos, candidatou-se para desempenhar pequenos trabalhos a quem precisasse. Foi pagando com bastante suor cada linha da lista - interminável. E as anotações da caderneta foram sendo riscadas uma a uma. (Ufa!)

No dia do casamento, seu pai fitava-o, orgulhoso. Em certo momento da festa, foi parabenizá-lo, abraçando-o longamente. E o inesperado aconteceu... Sussurrou em seu ouvido: "Te empresto os 12 mil contos que ainda faltam. Estou muito feliz de ver o homem que tu te tornaste. Honrado, esforçado, trabalhador. Assim tu não deves mais para ninguém e me pagas como podes, sem tanto sacrifício". E uma discreta lágrima escorreu-lhe pela face. Abraçaram-se, emocionados.

E foi assim que sua vida linda, florida e perfumada de homem casado começou: com a magia da salvação imprevista e com um abraço forte, com um significado todo especial. Seguiu anos economizando junto à esposa, sacrificando pequenos prazeres, com muita preocupação e alguma dificuldade. Mas pagaram cada prestação com um sorriso de gratidão no rosto.

E finalmente, a caderneta já não tinha mais uso. Mas foi guardada com carinho, como símbolo irrefutável de que, às vezes, podemos contar com a ajuda de pessoas que nem sequer em sonho imaginávamos... e que sempre estiveram lá, anonimamente, como expectadores, atentos e torcendo por nós. Tão perto e tão longe, bastando somente um chamado.

Um comentário:

  1. Nooooooooooossa...
    O desenvolver do teu texto dá todo um romance e uma expectativa na história. Leva a gente pra lá, pra época. E tenho certeza que é bem isso que queres.

    Saudades de ti, quero te ver. Quem sabe essa semana amiga?

    Beijos!

    ResponderExcluir

quarta-feira

O louco, a caderneta e o sussurro



Estava decidido. Era ela! Foi amor à primeira vista: na primeira vez que ouviu falar dela, quando foram apresentados, ao primeiro contato, desde a primeira vez que a adentrou. Tinha que ser ela. Estava decidido. Custasse o que custasse. Sacrifício, preocupação, dinheiro, dificuldades. Era ela! Seu superego dizia-lhe que era loucura, mas ele não dava bola. Só conseguia pensar - o tempo todo - nela. Seria sua. Mas... como?! (Àquela altura, isso era apenas um mero detalhe!)

Vestiu-se com seu melhor traje e foi reunir-se com o Sr. Smalz, da Construtora Catarinense. Faria-lhe uma proposta suicida. O depois não importava. E mergulhou. De cabeça. (Louco!)

- Tenho 9 nove contos de réis, pago-lhe à vista. O resto, pago aos poucos.

- Nós não financiamos. Preciso dos 25 contos agora.

- E eu, da casa. E ofereço os meus 9 contos como entrada.

Entreolharam-se, sérios. E o Sr. Smalz percebeu que aquele jovem teimoso não cederia. Via nele uma determinação desvairada em ter a propriedade no Beco Timbó, número 150. Respirou fundo e decidiu confiar no garoto. Avalizou pessoalmente o financiamento a ele, em prestações muito maiores que seu salário poderia cobrir. Entretanto ele, ensandecido pela possibilidade real de ter a casa, fechou negócio.

Saiu de lá radiante. Conseguira a casa. A sua casa. Digna de sua amada. Flores, luz, música, uma brisa suave batendo em seu rosto... Um lugarzinho para chamar de seu. Na qual teria uma vida inteira de muita felicidade. E de economia. E de sacrifício. E de preocupação. E de desespero! Pelo amor da Josefina! O que ele acabara de fazer?! Onde estava com a cabeça?! Como é que podia ter gasto suas economias de 10 anos de trabalho árduo e sobre-horas em uma casa que não podia comprar? Mas como ele tinha deixado se levar?! O que ele tinha feito!? E, se conseguisse pagar as prestações, como sustentaria a casa? E como sustentaria sua esposa? E seus filhos - aqueles que um dia teria com ela?! Sentou à beira da estrada e, simplesmente, chorou.

Rolou na cama por dias, não conseguira, ainda, sequer verbalizar o que tinha feito. E, numa epifania, eis que surgia de sei-lá-onde uma idéia que era tão absurda quanto a compra da casa. Decidiu tentar, esperançoso.

Comprou uma cadernetinha e uma caneta. E pôs-se a bater na porta dos vizinhos. Um a um. Explicava a situação e já traçava uma meta financeira. E desta forma foi conseguindo pequenos empréstimos - qualquer valor era bem-vindo - a serem pagos em longos prazos. E tudo foi anotado na cadernetinha. Clientes foram procurados com a mesma proposta - que era tão atrevida e inesperada que acabava convertida em mais cifras na caderneta. Em pouquíssimo tempo conseguira juntar 6 mil contos de réis, que já eram suficientes para cobrir as primeiras prestações. O sogro investiu no mobiliário completo da nova residência. Tudo do bom e do melhor para a primogênita - que, aos 27 anos, julgavam que não se casaria mais (em tempo: ela não gostou muito da escolha, pois a casa era grande demais e tinha muitas escadas, mas isso ele só ficou sabendo 50 anos mais tarde).

Trabalhou em horário dobrado, fez horas extras, arranjou empregos paralelos, candidatou-se para desempenhar pequenos trabalhos a quem precisasse. Foi pagando com bastante suor cada linha da lista - interminável. E as anotações da caderneta foram sendo riscadas uma a uma. (Ufa!)

No dia do casamento, seu pai fitava-o, orgulhoso. Em certo momento da festa, foi parabenizá-lo, abraçando-o longamente. E o inesperado aconteceu... Sussurrou em seu ouvido: "Te empresto os 12 mil contos que ainda faltam. Estou muito feliz de ver o homem que tu te tornaste. Honrado, esforçado, trabalhador. Assim tu não deves mais para ninguém e me pagas como podes, sem tanto sacrifício". E uma discreta lágrima escorreu-lhe pela face. Abraçaram-se, emocionados.

E foi assim que sua vida linda, florida e perfumada de homem casado começou: com a magia da salvação imprevista e com um abraço forte, com um significado todo especial. Seguiu anos economizando junto à esposa, sacrificando pequenos prazeres, com muita preocupação e alguma dificuldade. Mas pagaram cada prestação com um sorriso de gratidão no rosto.

E finalmente, a caderneta já não tinha mais uso. Mas foi guardada com carinho, como símbolo irrefutável de que, às vezes, podemos contar com a ajuda de pessoas que nem sequer em sonho imaginávamos... e que sempre estiveram lá, anonimamente, como expectadores, atentos e torcendo por nós. Tão perto e tão longe, bastando somente um chamado.

Um comentário:

  1. Nooooooooooossa...
    O desenvolver do teu texto dá todo um romance e uma expectativa na história. Leva a gente pra lá, pra época. E tenho certeza que é bem isso que queres.

    Saudades de ti, quero te ver. Quem sabe essa semana amiga?

    Beijos!

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